Jorge Sampaoli mostra que até os técnicos mais loucos não são tão loucos quanto o futebol do Brasil

A explicação de Sampaoli ao dizer que pode deixar o país e a sequência de trocas de técnicos estrangeiros mostra como o erro passa pela (falta) de cultura do futebol brasileiro

"Futebol é muito instável, ainda mais neste país." A oferta do Olympique de Marselha pode levá-lo para um lugar ainda mais inseguro. Ainda que se receba salário em euro, Sampaoli terá a pressão da cidade francesa mais apaixonada por futebol e de um clube que sonhou dominar a Europa e hoje não consegue nem classificação para a Champions League.

Mas, em Marselha, há mais estabilidade. "Treinador dura muito pouco. Não se consolidam os projetos", disse Sampaoli sobre o Brasil.

A Cidade do Galo tem estrutura mais profissional do que o Olympique e ninguém dirá que o trabalho de Sampaoli foi à altura da expectativa. A torcida do Galo pensou em título e está em terceiro lugar, quase sem chances de levantar o troféu. No Santos, diferentemente, Sampaoli chegou ao vice-campeonato, sem que ninguém esperasse. Tudo é questão de expectativa.

Mas qual a expectativa do Atlético? Em dezessete anos de Brasileirão por pontos corridos, esta é apenas a segunda vez em que o clube chega à 36a rodada com chance de taça. Não tinha possibilidade matemática nem em 2012 nem em 2015, temporadas de vice-campeonato. Então, o Atlético foi além do que costuma ir.


Ficha Sampaoli - Foto: Goal.com

Mesmo assim, olha-se para Sampaoli em todos os seus defeitos. Um deles está claro: relacionamento. É unânime na Cidade do Galo que ele não dá bom dia, nem pede por favor, exceto para seus colegas de comissão técnica. Quando testou positivo para covid, no primeiro momento não havia quem estivesse adaptado a seus treinos que pudesse entrar em campo para instruir seus atletas. Naquele período, perdeu o único jogo como mandante, contra o Athletico Paranaense. Com três pontos a mais, ainda teria chance de brigar pelo título.

Mas não é a permanência ou saída de Sampaoli o que mostra a loucura de nosso futebol. Discípulo de Marcelo Bielsa, El Loco, o técnico argentino mostra que o Brasil é mais maluco. Há dois anos, discutia-se o anacronismo dos treinadores nascidos por aqui. Neste ano, contando a contratação de Hernán Crespo pelo São Paulo, nove clubes da Série A tiveram treinadores do exterior: Internacional, Coritiba, Palmeiras, Flamengo, Atlético, Vasco, Botafogo, São Paulo e Santos.

O São Paulo ainda não tem Crespo e o Santos teve Jesualdo Ferreira apenas no estadual. Mas são nove clubes da elite. Só a Premier League tem mais estrangeiros: dez não britânicos em vinte clubes. Há seis times na Espanha, oito na Alemanha, três na Itália. Foram nove, ou 45% no Brasil.

Agora, pense em quantos permanecem... Na 36a rodada do Brasileirão, só Abel Ferreira, Jorge Sampaoli e Gustavo Morínigo.

Eduardo Coudet, Ramón Díaz, Sá Pinto, Domenec Torrent e Jesualdo Ferreira foram embora, por razões diversas.

O problema é o anacronismo dos treinadores brasileiros ou a loucura de nossas imprensa, torcida e dirigentes?

É muito bom ter os melhores treinadores europeus aqui. Será excelente se Sampaoli permanecer mais uma temporada, pelo menos.

Os loucos somos nós.


GE (Globo Esporte)

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